È Natal ou não.......
Quantas vezes nesta época do ano você ouve dizer FELIZ NATAL?
Mas será que realmente estamos comemorando mesmo o espírito da data?
Estava lá Seu Agenor sentado em um trono dentro do Shopping, vestido de Papai Noel, com aquela roupa pesada para um clima de um país tropical (Papai Noel no Brasil, deveria vir caracterizado de bermudas, camisa de manga curta e tênis, não é) Aposentado aos cinqüenta e quatro anos, mas que ainda pegava seus bicos mesmo com os seus sessenta e oito anos, para completar a renda familiar e se sobrar algum trocado inteirar para comprar os seus remédios para pressão alta, que ele descobriu ter depois de uma consulta ao médico da rede publica depois de esperar cinco longos meses para a sua consulta e mais alguns para os exames.
Em sua mente, mesmo balbucionando (já nem forças mais tinha para o tradicional Hou, Hou Hou...) as frases que a empresa de Marketing do Shopping lhe obrigava a dizer. Toda vez que era obrigado a por uma criança no colo, das centenas que já estavam na fila. Pensava ele em Letícia sua mais nova netinha de oito anos, filha de seu rebento mais novo o Geraldo. Que desempregado e com a mulher já esperando o segundo filho, estava desesperado. Seu Agenor em seus pensamentos via a sua vida passar, lembrava ora de seu tempo de criança, ora nos problemas familiares. Volta e meia vinha aos seus olhos uma lágrima insistente que ela dizia ser um “cisco” teimoso que lhe incomodava.
Dentre estas criançadas que em seus sonhos viam ali a figura do bom velhinho, tinham diversas classes sociais, os mais abastados, os menos abastados, os médios abastados e os que nada tinham, mas ficavam perambulando pelos corredores do Shopping e fugindo dos truculentos e seguranças. Homens de terno preto, bem sisudos e ignorantes. Mas é de se compreender também estavam ali desempenhando os seus papéis dentro da sociedade e simplesmente cumprindo ordens, muitas vezes a contra gosto.
Dentre estes que nada tinham, existia um em especial para o Seu Agenor, inclusive por diversas vezes, ao ver o menino Paulinho (um garoto com mais ou menos dez anos, sarará, que provavelmente seria mais um fruto desta miscigenação tupiniquim da cruza de um branco e uma negra ou vice versa) Garoto super ativo e diferente dos demais garotos do bando, pois mesmo quando era enxotado pelos “homens de preto”. Não brigava, não falava palavrão e muito menos gritava se limitava a tomar os seus cascudos e a ficar com sua roupa rasgada e sujo sentado ao chão chorando e se negando a sair da frente do “bom velhinho”. E era ai que o “cisco” entrava nos olhos de Seu Agenor.
Nisto foi se passando todo o mês de dezembro, que neste ínterim, Seu Agenor teve a oportunidade de tirar fotos com os seus netos. Do João já com dezessete anos ao seu xodó a pequena Letícia, pois quando ele recebeu seu pagamento convidou a todos para ir visitar o Shopping e como lá já estavam aproveitaram para tirar uma casquinha do Vovô Agenor, o que ele fez com um prazer especial. Mas quando Letícia estava em seu colo ao olhar para o seu lado direito viu a figura de Paulinho, fitando ele com uma estampada alegria em seus olhos juvenis. Pois na mente no menino era ele quem ali estava sentado acariciando aquele Vovô e sendo acariciado por ele.
Sensação que Paulinho nunca experimentou na verdade, pois só sabia quem era a sua mãe, pois foi gerado de um relacionamento de sua mãe, que nem ela mesma sabia ao certo de quais os namorados era o seu pai, tinha só uma pequena desconfiança de ser de um dos muitos homens com quem teve relacionamento dentro da favela onde morava. Em sua mente juvenil estava ele ali tendo o afago não do “bom velhinho”, Que ele sabia não existir, perdeu o sonho de Natal desde que nasceu. Mas da figura paterna de um homem bom e que ali estava trabalhando exercendo a sua atividade de Papai Noel "O bom velhinho”.
Eis que mais uma vez vem se aproximando um dos “Homens de preto”, que com a habitual ignorância que lhes são peculiares. Agarra Paulinho pelo braço e o sai puxando pela surrada vestimenta. Nisto interfere um jovem senhor de aproximadamente uns quarenta anos e interpela rispidamente o “Homem de preto”, pela forma de como ele segurou o braço de Paulinho e o arrastava corredor afora. Identificou-se como um membro do Conselho Tutelar e pediu que soltasse o menino, com a discordância do “Homem de preto”. O jovem senhor não viu outra maneira de resolver a questão. Deu voz de prisão ao “Homem de preto”.
Criou-se uma situação embaraçosa e surpreendente, pois Paulinho agradece ao jovem senhor, mas pede que ela não faça isso, dizendo. Obrigado Tio, mas prende ele não, ele só esta trabalhando e fazendo o que o “dono do Shopping”, mandou ele fazer. Completando com as seguintes palavras. Tio eu uma vez vi um filme ali na vitrine das Casas Bahia, que um homem pregado na cruz, falava para o céu. Pai perdoa, pois eles não sabem o que fazem, então Tio perdoa ele, é marrento, mas é gente boa, noutro dia até vi ele aqui com uma moça e um menino de minha idade que o chamava de Pai.
Paulinho conseguiu a façanha de entorpecer a mente da multidão que já estava aglomerada ao redor da confusão, já inclusive com uma meia dúzia de PM’s. O “Homem de preto”, não conseguiu, mesmo com o seu treinamento para ser duro, segurar a lagrima, ou melhor, também entrou um “cisco” em seu olho e assim como a maioria dos seres normais que ali estavam.
Criou-se assim um impasse que só foi resolvido, mediante acordo com o “chefe dos Homens de preto”, os PM’s e o jovem senhor. Que Paulinho doravante pudesse ali em um cantinho próximo a entrada dos sanitários, para que ele ficasse admirando o Bom velhinho. Que neste tumulto todo tentava segurar a pequena Letícia em seu colo, pois ela ficou não só assustada como mesmo tendo só oito anos, penalizada com a situação sofrida por Paulinho, fazendo com que os teimosos “cisco” adentrasse nos olhos de Seu Agenor.
Nisto foi-se os dias e Seu Agenor, já vendo à hora de ter que arrumar um novo bico, pois já era dia vinte e três de dezembro, portanto anti véspera de Natal. Paulinho já morava literalmente no Shopping, pois ficava ali desde a chegada de Seu Agenor, transvestido de “Bom velhinho”, até a hora de sua saída. Nunca se falaram, mas havia nos olhares de ambos um cumplicidade palpável e toda vez que um dos “Homem de preto”, Perto de Paulinho chegava ele pigarreava e o expulsava só com o olhar de perto daquele menino sarara. Tornando assim o guardião do acordo firmado entre as “autoridades”.
Pronto chega o dia derradeiro, véspera de Natal, Seu Agenor decidiu chegar uma hora antes (começa as 14:00 h e ia ate as 22:00 h), Ficou perambulando pelas lojas infantis para comprar os presentes dos seus netos (comprou roupas para todos e para Letícia uma linda boneca). Paulinho também angustiado via as horas passar e olhava para Seu Agenor, com um mixto de olhar de admiração, amor e medo. Medo sim, pois sabia que mesmo Seu Agenor ficando até a hora do Shopping fechar (ele ia fazer um esforço, pois o dia era especial, seu ultimo dia no ano para incorporar o “Bom velhinho”). E Le provavelmente não o veria mais e sabe Deus se no Natal seguinte ele Seu Agenor estaria ali ou ele mesmo, haja visto as covardias que se fazem com estas crianças nas ruas hoje em dia, se não é o trafico que mata é a policia.
Seu Agenor estava ali com um sorriso todo especial, especial por estar se livrando da calorenta fantasia de “Bom velhinho”, especial por ter conseguido um bom dinheirinho extra, especial por mais um Natal poder reunir a sua família no subúrbio de Marechal Hermes e participar da famosa ceia, com tudo o que tinha direito para uma família suburbana e mais especial ainda pelo o que ele iria fazer.
Pronto chegou á hora das despedidas, faltavam três minutos para o fechamento do Shopping, algazarra geral entre a clientela e os funcionários num todo, uma confraternização só, com troca de presentes, bebidas e comidas liberadas. Em seu cantinho Paulinho já esperava que o “Homem de preto”, viesse pedir que ele fosse embora como de costume, mesmo vendo toda aquela alegria seus olhos juvenis cismavam de atrair “ciscos”. O seu pequeno coração apertado, quando já se prepara cabisbaixo para ir embora, eis que aquele “Homem de preto”, da confusão o agarra pelo braço. Mas desta vez com delicadeza e doçura. Faz-lhe um afago e entrega a ele um belo pacote de presente, culminando com um beijo em sua testa ainda suja pela falta regular de um banho.
Ficou atônito agradecendo muito ao “Homem de preto”. E abriu o seu presente com os olhinhos juvenis e sofridos já com um lampejo de criança quando ganha seu presente de Natal. Dentro havia um belo caminhão e dois pequenos livros. A bíblia e Meu é de Laranja Lima (“História de um meninozinho que um dia descobriu a dor”, assim inicia o romance juvenil escrito por José Mauro Vasconcelos, foi publicado em 1968).Muito agradecido disse ao “Homem de preto”. Que no ano seguinte iria voltar a estudar só para ler o seu presente.
Seu Agenor que a tudo assistia, aproximou-se de agora já uma verdadeira multidão ao redor de Paulinho, mas em uma situação diferente, pois todos queriam desejar a ele um feliz Natal. Seu Agenor com uma sacola na mão e com aquele sorriso matreiro que lançava para Paulinho desde cedo, pegou ele no colo ainda transvestido de “Bom velhinho”, acariciou o seu rostinho sofrido e disse a ele, vamos meu neto, tome um banho no vestiário dos homens, pois já pedi a minha chefia, coloque estas roupas que comprei para que você fosse passar o Natal e os restos dos seus dias em minha casa, pois falei com aquele jovem senhor que te defendeu no dia da confusão e ele disse que arrumaria uma forma rápida de sua adoção. Pois você faz parte de minha família desde o dia em que proferiste “Tio eu uma vez vi um filme ali na vitrine das Casas Bahia, que um homem pregado na cruz, falava para o céu. Pai perdoa, pois eles não sabem o que fazem”.............
Ai eu te pergunto, È Natal ou não.......
PS: Não precisa, muito embora fosse o ideal, levar ou nem adotar uma criança. Mas pelo menos no dia de Natal, veja aquela roupa que seu filho não use mais (se for nova melhor ainda), aquele brinquedo esquecido no canto (se for novo melhor ainda) E de a uma criança, veras ma realidade o que é o espírito de Natal e se você estender este Natal por todos os dias de sua vida melhor ainda.
Djalma Pinheiro
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